Eu¹ estou nesta casa a
muito tempo.
Apenas seguindo esta
vida estranha.
Abro a porta com
cuidado, deixo o lixo ou faço qualquer coisa rapidamente.
A saída sempre é
assegurada antes, verifico seu estranho mundo durante um longo tempo pelo meu
amigo, o olho mágico.
Sua sujeira, suas
monstruosidades, tem de ficar fora.
Porta; barreira, muro
que me mantêm pouco mais protegido.
Para quem ou o quê invadir
guardo a arma, dependendo do que entrar não será de muita valia.
Eles, o acaso, os
lixeiros, os médicos falhos, assassinos apoiados na escuridão, os canais fora
do ar que nos induzem, criaturas rastejando no escuro, trabalhos que nos matam
na rotina, filas que apodrecem nossos espíritos, contas que nos encarceram no
processo, estão todos nos rodeando, conheço cada centímetro da minha casa².
Ponto.
Sempre que estou
pensando questiono o porquê de se escrever, olhando as paredes de minha prisão
aceita questiono muito.
Que serve de terapia
todo mundo sabe, quem já fez algum tratamento mental conhece isso, eu descobri
algo importante há algum tempo.
Você nunca está
sozinho realmente sabia? Se o humano se comunica de várias formas mesmo com sua
fragilidade assustadora, o que dizer de coisas incrivelmente profanas e más?
Lê este texto agora
perguntando-se: onde ele quer chegar?
Meus contatos
rareiam, é verdade. Sou taxado de insano por me esconder no lugar que me é mais
seguro.
Textos, contos,
mensagens escondem mais significados que aparentam em seu âmago.
Vírgula.
Eles, que escreviam
coisas sinistras antes de mim entendiam esta simetria macabra, os que ainda
escrevem partilham de minha dor enquanto em sua ignorância o resto do mundo
sorri.
Sorriem pois desconhecem a totalidade deste absurdo, eu tive alguns sonhos ruins em que vislumbrei este
caos, por estes sonhos eles falaram comigo, os medos falaram comigo e me deram
grande incumbência.
Acima de qualquer
terapia e de qualquer vocação, os homens sempre seguem as ordens de seus medos.
De toda agonia que
você pode imaginar confrontar seu maior medo é ápice.
Seus temores lhe
visitam quando está sozinho, quando está sozinha? Ora, eu já disse... nós nunca
estamos sozinhos realmente, eu tenho suas chaves... as chaves certas.
Ombros curvados em
direção desta página não te fizeram entender? Por vezes dizemos tudo o que
queremos pelas primeiras palavras de nossos períodos.
HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ
HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ HÁ
Última página do diário de Allan Miller³.
"Você fez alusão a nomes como Poe, Lovecraft e até Jamie Delano encontrou as chaves e sabe usá-las muito bem."
Jefferson Ravazzi, colecionador irmão.
Extras e referências:
1 - "Eu apenas abro sua porta para eles. Sempre que você lê meus textos, eles sorriem acima de seus ombros." As primeiras palavras dos períodos indicam uma mensagem de Miller sobre sua real intenção.
2 - Aqui Miller faz referência a vários contos de Barone: Peculiaridades, Horda, O maior espetáculo da Terra, Rasteja no escuro, Fim do expediente, A espera. Trechos a frente Miller presta homenagem a grandes escritores perturbados.
3 - Allan Miller, o nome junta dois gênios das HQs (Alan Moore e Frank Miller), psiquiatra e escritor de Horror recluso, Miller sofre de Agorafobia e durante anos trabalhou com os piores casos do Hospício Santa Clara. Um de seus livros mais famosos é Penumbra e cenas mórbidas.