"O demônio tem outros
nomes conhecidos, nomes humanos"
1 - Pacto de circo
Sua vida como
hipnotizador estava um marasmo só, sim, existiam os famosos. Ele era somente
uma atração do circo.
Então se achava um
fracassado.
Até a mulher barbada
tinha mais prestígio que o pobre Nero¹. Já via o dia que nem o dono do circo
poderia aguentar seu desempenho medíocre.
As pessoas não
ficavam totalmente sob sua influência. Imagine que certa vez, a casa estava
cheia e o Nero chamou alguém da plateia:
- Quer participar do
número?
A menina olhou em
volta e disse:
- Tudo bem.
E o Nero começou a
hipnotizá-la. Certa hora gritou:
- Você caíra em sono
profundo agora!
A menina visivelmente
em alerta respondeu:
- Quando? Agora?
A gargalhada foi
geral. Haviam aqueles que se perguntavam se aquilo era um número de comédia.
Foi uma total
humilhação. Dadas estas circunstâncias resolveu fazer um pacto com o diabo.
Só não sabia como.
Um dia terminou seu
número, mais um fracasso, quando viu na saída um homem que lhe fez sinal e
disse:
- Você me chamou.
Ele sabia que era o
diabo, confie em mim, se você o olhar saberá que é ele.
O diabo perguntou:
- O que você deseja?
Assustado Nero
respondeu:
- Quero ser famoso
com a hipnose.
O cramulhão:
- Só isso?
E o parvo:
- Só.
O demo deu uma
tossida longa e fez que sim com a cabeça. Então Nero perguntou:
- Qual é o preço?
Minha alma?
O diabo:
- Também. Mas eu
quero mais, eu quero almas inocentes.
Nero pensou.
"Pior do que
está não pode ficar".
E concordou.
O diabo lhe soprou a
testa e sumiu. E tudo mudou.
2 - Testes
Depois do pacto, Nero
ouviu uma voz:
- Teste seu poder em
qualquer um.
Viu umas pessoas
reunidas em frente ao circo, entre elas uma loira que se destacava.
Era muito linda,
tinha um par de coxas espetaculares. Nero se aproximou e disse:
- Oi. Eu sou Nero
Caruso, qual é seu nome?
A moça desmanchou.
Estava hipnotizada como por mágica.
- Lola.
Ele notou que ela
estava em transe e testou seu poder. Olhou nos olhos da moça.
- Posso ir no motel
com você agora?
Ele melhorou a
pergunta. Transformou em ordem.
- Eu quero transar
contigo agora!
Ela segurou o braço
dele e foi. Nero transou a noite inteira.
Nero estava eufórico.
Achava que o mundo estava em suas mãos, deixou Lola no motel e foi à vida.
No quarto, uma moça
derrama-se em lágrimas.
Os comandos haviam
passado.
Primeiro Nero tomou o
circo para si, depois pensou alto e disse:
- Vou a televisão!
E facilmente conseguiu
vários empregos na TV, todos queriam anunciar produtos com Nero pois Nero
vendia qualquer coisa.
Começou a enriquecer.
Dormiu com diversas mulheres.
Uma rede de TV lhe
ofereceu um programa próprio. Nero aceitou.
Nas noites apresentava
o Nero Caruso Show.
Ia tudo às mil
maravilhas até...
3 - No ar
No Nero Caruso Show
de uma sexta-feira aconteceu algo estranho.
Nero hipnotizava a
plateia com aquele famoso número da colher, sabe? Aquele de entortar. Fácil
para ele.
Foi quando ouviu a
voz:
- Você tem que pagar
pelo que te dei.
Ele sentiu um arrepio
e estava com os olhos esbugalhados. Quando tentou fechar os olhos, não
conseguiu.
Até o fim do programa
ficou de olhos abertos sem sequer piscar. No camarim, com duas lanternas
vermelhas no lugar dos olhos pensou.
"Ele quer as
almas dele. Isso que aconteceu com os olhos pode piorar!"
Quando lhe advertiram
a ir ao médico nada disse.
"Se eu for ao
médico vai piorar!"
Não foi ao doutor,
foi sim para a farmácia e comprou muitos colírios.
Sem dormir por cinco
dias Nero ficou paranoico.
Durante uma
apresentação com os olhos esbugalhados falou alto:
- Não aguento mais!
Eu quero dormir.
E a voz no ouvido:
- Então faça o
prometido no trato!
Alucinado, saiu em
disparada do estúdio. Precisava comprar colírios.
Em sua mansão sozinho
gritou:
- Eu faço!
4 - Horror televisivo²
Pensou num horário em
que seus poderes de hipnose atingiriam mais fácil as pessoas. Um horário em que
o cérebro estivesse mais fraco, mais cansado, mais fácil de influenciar.
Precisava do horário, Nero percebera que sua influência presente era mais forte
que a televisiva.
Então o horário tinha
de ser o melhor para ele.
Por tudo isso, optou
pela madrugada.
Tinha as chaves da
rede de TV, de madrugada o sistema era automático e passava filmes
pornográficos até as cinco da manhã. Nero passou pelos seguranças.
- Boa noite seu Nero.
Trabalhando até tarde?
Ele com os olhos
horríveis.
- Só vou pegar uns
papéis...
Entrou no estúdio
sete, apontou uma câmera para si. Pretendia fazer uma minúscula pausa na
programação.
Passava das três da
manhã, ele se preparava para realizar seu ato, mas foi assaltado pela dúvida.
"O que eu
digo?"
A voz no ouvido:
- Pense algo podre,
meu podre Nero. Algo podre...
E ele pensou e
realizou sua pausa. Saiu do estúdio apressado percebeu que...
Voltou a piscar.
Estava extasiado, já
imaginava uma noite de sono perfeita. Nem comprou colírios, somente correu para
casa.
Tirou as roupas
rapidamente e jogou-se de olhos fechados na cama.
E nem um segundo. Nem
um mísero instante pensou no horror televisivo que provocara.
Dormiu profundamente.
5 - Café da manhã
Dona Silmara não
conseguia dormir e resolveu ligar a TV baixinho para não acordar o marido.
Estava lá vendo uma
cena de sexo quando houve um corte.
Um cara de aspecto
assombrado lhe disse coisas. Que ela esqueceu logo depois.
E dormiu um pouco.
Acordou rapidamente
às seis, estava condicionada a isso, fazia isso todas as manhãs. Pegou algo no
armário que ficava fora da casa.
Foi preparar o café
da família.
Silmara sentou-se à
mesa com os dois filhos e o marido. E esperou que comessem.
- Que foi Sil? Algum
problema, querida?
O veneno de rato fez
efeito rapidamente. Os filhos e o marido começaram a vomitar sangue.
Morreram.
Ela, como um robô,
levantou-se e pôs os dedos no sangue do marido.
Escreveu na parede
"BARBÁRIE"³.
Sentou no chão e
começou a chorar.
Seria um caso de
homicídio e loucura. Seria, se exatamente as mesmas situações e a mesma palavra
não fossem encontradas em outras trinta casas.
As donas de casa
assassinas não sabiam explicar o porquê.
Algumas se mataram.
A polícia estava com
um problemão, o número de corpos passava de cem.
Nero abriu os olhos e
não conseguiu mais fechá-los, de novo.
E a voz o assombrou:
- Ligue a TV. Foi
brilhante! A ideia da marca na parede melhor ainda, quero mais.
Nero ligou a TV e
deparou com o caos que causou. Um policial dizia:
- Chamamos psicanalistas
para tratar deste caso incomum, a maioria concorda com a suspeita de ataque
mental, direcionado para as donas de casa.
Algumas pessoas riam
atrás do policial. Ataque mental, há.
As imagens
aterrorizaram Nero. Seus olhos doíam e saiu para comprar colírio.
- Eu sei que você
quer mais! Pense em algo e escolha um novo público. Você gostou de matar sem
sujar as mãos, eu sei!
A voz insistia.
Mais um dia de
tortura e Nero novamente se rendeu.
- Eu faço!
Mais uma noite na
emissora.
Algo direcionado aos
pais de família. E mais uma vez, após sua pausa, dormiu profundamente.
6 - Os vizinhos
pacatos
Guilherme era
considerado o vizinho pacato, acima de qualquer suspeita.
Naquela manhã ele
desceu ao porão buscar as armas que herdara do pai.
Subiu no telhado. O
primeiro vizinho passou na rua.
- E aí Guilherme?
Limpando o telhado?
Guilherme atirou na
cabeça dele. E continuou acertando carros que passavam, pessoas, cachorros.
Só parou quando foi
atingido pelo Bruno.
Outro vizinho pacato
que também resolveu brincar de tiro ao alvo em cima de sua casa.
Os mortos
ultrapassaram trezentos.
A polícia conteve a
fúria de vizinhos pacatos somente à tarde. Em investigações nas casas dos
atiradores encontravam em paredes:
"BARBÁRIE"
Nero foi cruelmente
maléfico, suas mensagens eram direcionadas.
Qualquer pessoa que
não pertencesse ao grupo esquecia as mensagens.
E experimentou sua
imunidade.
Os ataques ocorriam
de forma sequencial, a polícia estava atônita. Não sabia o que fazer.
E durante uma semana
os números foram aumentando.
Mães afogaram bebês
em privadas.
Depois alguns
policiais fuzilaram presos nas celas.
Em seguida, vans
escolares atropelaram crianças.
Num dos ataques as
filhas únicas se enforcaram. Mas com esse ataque, Nero fatalmente se ferrou.
Lola, a moça que foi
usada por ele viu a pausa na TV.
Era filha única e não
se afetou, pior, reconheceu Nero e foi a polícia.
O diabo não disse a
Nero que pessoas afetadas por ele uma vez não eram mais afetadas.
Ela chegou esbaforida
na delegacia.
A estória da moça era
tão maluca que parecia verdadeira.
- Estamos em
desespero aqui. Minha irmã morreu com um tiro dado pelo vizinho!
Lamentava-se o
policial que a ouviu.
- Precisamos de uma
pista e se é isso que a moça fala, vamos pegar esse puto!
Deu a ordem.
Uma divisão
enfurecida da polícia encaminhou-se para a emissora de TV. Todos conheciam Nero
Caruso.
Passava de uma da
manhã e Nero ia realizar sua pausa dentro de poucos minutos. Ao longe, ouviu as
sirenes.
A voz sarcástica:
- Vão te pegar.
Nero esbugalhou ainda
mais os olhos.
- Nem fodendo que
vão!
7 - Soldados
involuntários
Pararam várias
viaturas na frente da emissora, Nero se apressou a descer as escadas. Foi até a
segurança.
- O que será que tá
acontecendo seu Nero?
Nero chegou aos
quatro seguranças e disse:
- Peguem suas armas e
atirem nestes policiais, senhores! Morram por mim!
Os vigilantes sacaram
as armas e receberam a polícia à bala. Mataram alguns policiais antes de serem
alvejados.
Enquanto isso, Nero
preparava sua surpresa.
Com um megafone
gritou de uma janela:
- Atirem em seus
companheiros e depois se matem!
Aquilo foi um
tiroteio dos diabos, um banho de sangue.
Outra viatura se
aproximava do local, nela estavam dois policiais. O que dirigia foi atingido no
rosto. O carona abaixou-se e esperou a viatura bater.
Esperou, agora tinha
certeza. E tinha ódio de Nero, afinal, sua irmã morreu por sua culpa.
Nero esperou escutar
o último tiro e saiu calmamente da emissora. Não tinha uma gota de sangue em
seu terno e assoviava.
Conseguia piscar. Ia
ter mais uma noite boa de sono.
Ele pulava os
cadáveres, quando o policial que não o ouviu no megafone esgueirou para fora da
viatura.
- Você matou minha
irmã!
Nero tentou falar mas
o soco foi violentíssimo e lhe quebrou a mandíbula.
O espancamento
continuou, sentiu que algo quebrava dentro de si, estava vendo a morte. Mas
esta não chegou.
Outros policiais
chegaram e tiraram o agressor de cima de Nero.
- Ele matou minha
irmã!!
Dentro da emissora,
fitas e provas que incriminariam Nero por toda sua podre vida.
Devido a surra que
levou, estava em coma. Fazia tempo que não dormia tanto. Quando acordou estava
em um hospital com uma trava no maxilar que estava quebrado. Amarrado à cama.
A enfermeira disse:
- É necessário?
Um dos policiais que
o escoltavam à frente do quarto disse:
- Moça, temos provas
que esse cara sozinho está envolvido em mais de mil e quinhentas mortes.
A enfermeira
assustou-se.
Nero piscava e
sentia-se livre, podia morrer preso. Era melhor assim.
A enfermeira vinha
limpá-lo e alimentá-lo:
- Todos merecem uma
segunda chance.
Dizia a Nero que não
podia falar, só mexia a cabeça.
Melhorava
visivelmente. A enfermeira disse certo dia:
- Hoje vamos tirar
essa trava.
E saiu do quarto. Uma
voz familiar disse aos ouvidos de Nero:
- Não esqueci de você
Nero!
Sentiu novamente a
dor nos olhos tão característica.
- Não esqueci de
você...
A enfermeira olha
Nero e estranha:
- Calma, já vou tirar
a trava. Não precisa olhar assim.
Lentamente ela tira a
trava. Nero lhe olha nos olhos e diz com a língua sem uso a tempos:
- Todos merecem uma
segunda chance.
A enfermeira sorriu
mas logo sentiu um arrepio. Friamente, Nero entrou em sua alma e disse:
- Me solta!
"Daria um ótimo filme!"
Astrid Thompson, escritora do site Recanto das Letras em comentário publicado em 08/05/2009.
Extras e referências:
1 -
Nero Caruso, hipnólogo famoso por seus crimes sequenciais. Jesus fez mortos andarem com seus comandos divinos, Jesse Custer das HQs de Garth Ennis fez homens feitos se borrarem com a voz de um ser híbrido do céu e inferno. Nero usa sua habilidade incrementada para matar sua sede de poder e seu desejo sexual. Após estes acontecimentos, o vilão desapareceu por anos e fundou uma seita apocalíptica chamada Sem laços, sem remorso, que influenciou mais crimes e situações anormais.
2 -
Horror televisivo, o nome do capítulo homenageia uma história da sensacional Contos da Cripta, HQs que primavam pela violência e horror gráfico.
3 - Barbárie, palavra presente nos crimes de Nero, a polícia apontava como um cartão de visitas ou assinatura.
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