Citações

"Escabroso, delirante e assustador! Perfeito!" Por Drauzio Marqezini em 12/04/2012 no site Recanto das Letras.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Destoante



"Por vezes o sentido da vida é a insanidade"


 1 - Reunião babaca


 Reuniam-se toda sexta-feira, era um grupo de leitura e discussões sobre poesia.
 Quem presidia as sessões era um tal de Plínio.
 Plínio era professor de português dos mais quadrados, era praticamente a figura geométrica. Chato era apelido.
 Os outros integrantes da reunião pouco diferiam dele.
 Lucas e Tatiane: um casal de poetas medíocres, um crítico certa vez os chamou de casal calmante, devido ao teor sonífero de suas poesias monótonas e sem sal.
 Otoniel: amante da poesia "dor-nos-córneos", separado há anos, ainda amava a adúltera ex-esposa. Detestava qualquer conotação sexual em poemas.
 Dona Vera: viúva que mantinha o Dona, lutava com o câncer e repudiava poesias macabras e sinistras. Temia imensamente a morte.


 O Plínio nem dava aulas na sexta, apenas para estar com seus amigos em chatice. O grupo lia e relia poetas que não cheiravam, nem fediam.
 Se alguma pessoa citasse Augusto dos Anjos era taxado de mórbido por eles. Se citassem Vinícius, era uma página central de revista de nus para seus ouvidos, julgado pornográfico pelo grupo. E o Bocage?
 Bocage era promíscuo.
 Ginsberg?
 Nem queriam saber de Ginsberg.
 Numa sexta-feira comum estavam em sua "sede", a casa de Plinio, quando alguém bateu na porta. Plínio foi atender.
 - Quem será?
 Era uma jovem linda¹. Estava sobriamente vestida de preto. Plinio pensou:
 "Deve ter errado o endereço, ou deve estar vendendo algo."
 - Aqui é a reunião de amantes da poesia?
 Plínio respondeu.
 - Sim... o que deseja?
 A jovem disse firme:
 - Participar.
 Plínio já ia fechando a porta, a moça continuou ali.
 - Desculpe é um grupo fechado. Passar bem...
 A moça colocou o pé na porta, bem no vão.
 - Tratam a poesia como algo restrito?
 Quatro pares de olhos estavam em cima das costas de Plínio. Esperando pela resposta que ele daria. Ele pensou e disse:
 - Não mocinha... É que, é que nem sabemos o seu nome.
 A linda moça respondeu:
 - Saibam somente que sou uma apreciadora de boa poesia. Também faço meus versos.
 Os olhos de todos brilharam até os de Plínio, afinal, faziam meses que só liam e reliam poesias antigas. Leram até a obra completa de Lucas e Tatiane. Mesmo assim o quadrado disse:
 - Desculpe mocinha.
 Os quatro atrás responderam:
 - Não; espera!
 Plínio ficou sem ação, Otoniel segurou seu braço e cochichou em seu ouvido:
 - Se ela for ruim a chutamos...
 A moça impaciente:
 - E então?
 Plínio à contragosto:
 - Está bem. Entre.
 E a deixaram entrar naquela reunião babaca.

domingo, 20 de agosto de 2017

Férias atrasadas





 Estava com vontade de usar a tesoura. Quando a retirou da caixa, o homem amarrado à mesa começou a gritar novamente.
 Parecia ter uma resistência enorme naqueles pulmões.
 Ele introduziu as lâminas da tesoura nas narinas do homem e fechou.
 O jato de sangue atingiu sua mão direita em satisfação breve.
 Frederico precisava de férias¹.

 Para sair daquela rotina de cortes e ferimentos imaginou uma bela praia. Camarões fritos, cerveja gelada e uma brisa de fim de tarde. Crianças fazendo castelos de areia. Sorrisos presentes em rostos de todas as idades. E, infelizmente, sempre temos de voltar.

 O sangue invadia os olhos do homem na mesa. Frederico limpou com uma toalha o excesso, era preciso que ele visse o que acontecia. Sem a conexão não haveria sentido em nada daquilo. Retirou uma gilete da caixa, com uma das mãos segurou o pênis do homem e foi lhe abrindo a uretra. O trabalho ficou difícil com o vermelho que espirrava. O homem desmaiou, típico.

 Outro lugar bom para as férias seria o campo. Tardes de temperatura agradável. Conversas na varanda e ótima comida.
 Pães de queijo e café com leite, bolo de fubá e requeijão. Dias que pareciam mais longos.

sábado, 5 de agosto de 2017

Todo mundo comeu





                "Desconfiaremos primeiramente dos tímidos"


 1 - Ritinha

 Ritinha já estava desaparecida desde segunda. Onde foi parar aquela do riso inesquecível?
 É o que se perguntava o pai, Seu Aristides estava desconsolado, admirava a beleza da filha profundamente.
 - Perdi ano passado a Mirtes. E agora isso.
 E chorava como carpideira adiantada.
 - Com quem ela costumava sair?
 A pergunta do policial era simples para Aristides.
 - A melhor amiga os senhores já ouviram.
 O policial com o pescoço rígido foi incisivo.
 - Não. Ela tinha algum namorado, algum paquera?
 O pai não sabia responder sem denegrir, afinal aqueles policiais eram meros estranhos, achariam que a filha era uma perdida. Sem saberem o quanto Ritinha era doce, amuado ele nada falou.


 Frase de um banheiro da faculdade:
 "Ritinha doce vagabunda, todo mundo já comeu!"



 Se o pai soubesse mais da vida universitária da filha, teria morrido mais cedo.