Citações

"Escabroso, delirante e assustador! Perfeito!" Por Drauzio Marqezini em 12/04/2012 no site Recanto das Letras.

domingo, 20 de agosto de 2017

Férias atrasadas





 Estava com vontade de usar a tesoura. Quando a retirou da caixa, o homem amarrado à mesa começou a gritar novamente.
 Parecia ter uma resistência enorme naqueles pulmões.
 Ele introduziu as lâminas da tesoura nas narinas do homem e fechou.
 O jato de sangue atingiu sua mão direita em satisfação breve.
 Frederico precisava de férias¹.

 Para sair daquela rotina de cortes e ferimentos imaginou uma bela praia. Camarões fritos, cerveja gelada e uma brisa de fim de tarde. Crianças fazendo castelos de areia. Sorrisos presentes em rostos de todas as idades. E, infelizmente, sempre temos de voltar.

 O sangue invadia os olhos do homem na mesa. Frederico limpou com uma toalha o excesso, era preciso que ele visse o que acontecia. Sem a conexão não haveria sentido em nada daquilo. Retirou uma gilete da caixa, com uma das mãos segurou o pênis do homem e foi lhe abrindo a uretra. O trabalho ficou difícil com o vermelho que espirrava. O homem desmaiou, típico.

 Outro lugar bom para as férias seria o campo. Tardes de temperatura agradável. Conversas na varanda e ótima comida.
 Pães de queijo e café com leite, bolo de fubá e requeijão. Dias que pareciam mais longos.


 Dessa vez o sujeito demorou a acordar, Frederico fumou um cigarro pela metade e apagou no pé do homem. O pequeno martelo era o próximo, com pancadas certeiras quebrava os dentes. Durante a quebra dos incisivos superiores o homem engasgou com os pedaços.
 Frederico parou um momento, o sujeito virou a cabeça para o lado e vomitou.

 Vômito é comum nas viagens de navio. Boa grana gera bom atendimento, interessantes cruzeiros, mulheres de outras nacionalidades. Bebedeiras com estranhos vendo o sol a pino.

 Os olhos ficariam por último, fazer ver o que seria feito tem um efeito tão devastador quanto a dor infligida. O pequeno martelo foi usado para atravessar pregos na mandíbula. E ainda havia vida naquele homem, vida quente que encheu a mesa de excrementos. Em seu logro tentava manter os olhos fechados.

 Antigamente ia aos parques de diversão, fechava os olhos na descida da montanha russa. Tudo parecia pior por um momento, mas o prazer de desafiar a morte era excitante. Sempre que saia dos parques conseguia sexo fácil, os humanos compensam os medos vencidos. E no fim das noites de diversão fechava os olhos novamente gozando, "a pequena morte".

 Frederico notou que o homem mantinha os olhos fechados. Não! Não podia deixá-lo morrer agora. Ele lia bastante, buscava ideias para evitar  aborrecimentos. Talvez em algum livro, em algum gibi ou filme que viu...
 O fato é que estava com o alicate de unhas nas mãos. Puxou a pele das pálpebras e começou a cortar. Na mesa o arremedo de gente fazia barulho, buscando o fim.

 O fim das férias sempre é desesperador. Abrir os olhos e abraçar seu meio é horrível. Não poder fechá-los deixava tudo mais brutal. Repetição de cortes, de dor extrema.
 Adriele havia pedido que ele tirasse as férias atrasadas.
 "Meu amor, preciso continuar o trabalho mais um tempo."
 Se houvesse tirado as férias não teria feito aquele caminho para ir para casa, se estivesse de férias viajaria com sua bela ruiva. Nas férias não conheceria Frederico.

 Que parecia cansado, entediado, cumpria uma rotina segurando o prego do tamanho do antebraço de Danilo. Danilo, o homem na mesa, não podia fechar os olhos enquanto Frederico posicionava o prego em cima de seu coração. Na outra mão segurava o martelo maior. Buscava a conexão, olhando Danilo nos olhos.

 "Onde a ruiva queria ir?"
 Danilo via Adriele.
 "Para a praia?"
 E brindavam com a cerveja gelada de frente para o mar.
 "Podia levar ela ao campo."
 Ela sorria comendo preguiçosamente, sentiam o cheiro do mato.
 "Ou... um cruzeiro comigo."
 Bebericavam com desconhecidos.
 "Mas perto de casa tem um parque de diversão... poderíamos começar por ali."
 E desciam juntos a montanha russa com promessas íntimas.
 "Não; a ruiva sempre quis ir ao Egito!"
 Sobrevoavam a terra exótica. Feliz de braços dados com sua ruiva na descida até apertou a mão do comissário de bordo.
 - Obrigado.
 Frederico apontava o prego sobre o peito de Danilo e esperava qualquer coisa como:
 "Pelo amor de Deus, pare!"
 "Eu faço qualquer coisa", "eu tenho dinheiro".
 Mas não obrigado, nunca obrigado.
 Continuou buscando a conexão nos olhos martelando o prego. Mas Danilo não estava e nem esteve ali completamente.

 Limpando a mesa após o esquartejamento, Frederico não entendia a falta de prazer.
 Stress? Talvez².

 Precisava tirar férias o quanto antes.




"Barone, horror em alto nível!!"
Vargas, usuário do site Recanto das Letras em comentário postado em 01/04/2012.


Extras e referências:

1 - Frederico, assassino metódico que encontrou seu caminho na seita Sem laços, sem remorso, presente em outros contos, o título do conto remete a crises de stress enfrentadas pelo autor.

2 - Aqui novamente a referência que permeia sua obra: uma crítica ao trabalho como o conhecemos.


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