Citações

"Escabroso, delirante e assustador! Perfeito!" Por Drauzio Marqezini em 12/04/2012 no site Recanto das Letras.

domingo, 26 de março de 2017

Satânicos da mídia




- Como conseguiu se foder tanto?
Pergunta o barman, o Pensador do balcão pressionou a testa que sangrava.
- Falando a verdade!
Willy riu:
- Sua verdade. Como sempre, conte do começo.
- Bom... eles iriam destruir o Casulo.

“Entraram após seu culto, sabe como é. Após a pregação vem a bebedeira. A discussão começou após dois deles discordarem sobre o jeito de se criar os filhos. A turma se dividiu e eu tinha um “trabalho” a zelar. Começaram a se insultar, gritavam e assustavam os clientes “normais” do bar. Saltei do banco e entrei na treta.
- Ei. Sabe o que todos nós temos em comum? Somos marionetes do que vocês chamam de mal.
E quase levei um soco, logo de cara.
- Deixem-me explicar, sem citar nomes. Um deles é um camaleão, ele é o que todo homem quer ser. Comer mulheres a vida toda, todas lindas diga-se de passagem, fazer isso sem proteção alguma. Ter estilo e permissão para matar, mais poder do que qualquer presidente, podendo iniciar guerras mundiais. Ah, ser lindo em qualquer de suas representações bebericando seu drink batido, não mexido. Imaginem carregar armas de grande conteúdo bélico em suas roupas e aplicativos, infiltrar-se em qualquer fortaleza inexpugnável. Disfarçar-se, usar documentos falsos e viajar no mundo todo, até conhecer o espaço. Sua nomenclatura de três números¹ ser um símbolo de carisma, de perigo, que transforma a carreira de todo ator, produtor e até de músicos. Uma ode à testosterona e por fim um ode à classe.

sábado, 18 de março de 2017

Óculos novos




1 - Fardo


 Eu sofri um acidente quando era criança; meu irmão me empurrou de uma árvore.
 Parece que você cai em câmera lenta.
 Eu vi aquele sorriso sombrio pintado na cara dele. Podia ter me esquivado mas o desgraçado era meu irmão.
 E o mundo lhe diz para confiar na sua família.
 Fora o susto, não tive tempo para sentir dor. A pancada no solo atingiu a nuca e fiquei desacordado.
 Eu acordei no hospital com a voz doce de uma enfermeira. Quando abri os olhos comecei a chorar.
 O mundo havia ficado turvo.


 O médico tentou ser gentil:
 - Aguinaldo, você vai ter de usar óculos. Isso é legal... te torna diferente.
 Tudo que um garoto não quer é ser diferente. O diferente carrega zombarias e apelidos.
 A maior parte disso veio do meu irmão.
 Estava sempre radiante a me azucrinar. Confiante sempre, não levou nem uma palmada pelo que fez comigo.


 Sua felicidade durou pouco.
 Fomos a uma festa de aniversário, após apagar as velas o aniversariante chamou os amigos para andar de bicicleta.
 Meu irmão rechaçou meu pedido de acompanhá-los:
 - O quatro-olhos fica aqui! Se nos seguir leva porrada.


 Foram apanhados por um caminhão não muito longe dali¹, meu irmão morreu na hora.
 O enterro foi triste.
 Posso te dizer que perdoei meu irmão. Ele era só um moleque idiota.
 Responsável direto por eu carregar o fardo em cima do nariz.


domingo, 12 de março de 2017

Conheça o criador



Sempre quis conversar com você diretamente, sem utilizar metáforas ou desvios. Eu tenho família, pago contas mensais, crio meu filho nesse mundo cada vez mais difícil, cada vez mais caro.
Diferente da maioria eu não me contento somente com o embotamento da televisão e da avalanche de merda que se tornou nossa música.
Sem ganhar um centavo, na mais pura paixão, quando tenho momentos de tranquilidade eu crio, alimento e construo pesadelos.

Quando a dúvida e a suspeita se tornam fortes, quando o arrepio se forma na coluna e a perplexidade é tangível tenho a convicção de uma boa obra.
Você precisa disso, você necessita de alguém que lhe mostre que o mundo nem sempre é bom. Que várias vezes as coisas não saem da melhor forma.
Bons criadores de pesadelos evitam mortes.
O medo mais forte é o disseminado. Quantas vezes lhe disseram para não andar sozinha em locais mal iluminados, não caminhar com o pagamento no bolso, não se encher de comidas pesadas noite adentro, não se entupir de drogas.

A república do não é instaurada pelo medo.

Nossos pais, nossa família, nossos amigos são disseminadores não conscientes do Horror. Mesmo os achando um porre provavelmente você só está vivo ou viva pelos conselhos e sermões não solicitados.
Afinal, se você é branco está em perigo, se é negro está em perigo, se é mulher está em perigo.
Há perigo de sobra para asiáticos, crianças, católicos, evangélicos, judeus e protestantes.
Dia desses li sobre um sujeito que gostava de estuprar brutalmente velhinhas e estrangular com o sutiã.
Não se pode evitar o estupro sendo velha hoje em dia, nem homem, nem bebê...
O medo nos movimenta, você se acha alguém sem medo? Ninguém é Murdock¹, temos medo de demonstrar o que sentimos, temos medo de como falamos e para quem falamos.
Construo pesadelos e nunca ficarei sem matéria prima. Sempre haverá uma caneta, um lápis, um teclado, página ou tela.
Sempre haverá uma mente, um enigma.
Um quebra cabeça horrendo.
Uma dona de casa serve o almoço em seu vestido perfeito. Na mesa os convidados sorriem mostrando dentes perfeitos. Elogiam o molho de carne e ela sorri em seu quadro de Rockwell². Dão falta do pequeno cachorro que mordia os calcanhares perfeitos da perfeita Amélia. Antes de todos chegarem ela torcia para a receita dar certo, olhando os pratos cheios na mesa veio a certeza de que havia cozinhado bem o cão.
Perto dali um homem transtornado convicto em sua fé recupera com sangue tudo o que havia emprestado³. Sua lógica insana desafia a policial que o caça, que tece um cenário aterrador. A nova igreja da cidade sempre criará um novo monstro. 
E o culto acontece toda noite.

Talvez isso, essa declaração, essa carta de amor à criação seja uma introdução de um livro nunca escrito.
Talvez seja um desabafo de alguém que todos os dias pensa em desistir mas se lembra do prazer de ver a caneta criando um mundo na folha branca.
Alguém eufórico que deseja afetar as pessoas. Que não quer passar apagado como aquele pesadelo que montou.
Aquele em que o sujeito queria destruir sua identidade e se torna nada.
Permita que eu encha um momento do seu dia de desconfiança, de imprevisibilidade, de caos.
Aqui sou o Rei no reino das páginas, governante das linhas, sentenciando personagens ao tormento, ao delírio, à vida, sentenciando-os à morte!
Muito prazer, sou um criador de pesadelos.




Publicado no site Recanto das Letras em 15/05/2016.




"Diálogo claro de um criador de ideias, visceral, que quer te mostrar que o mais mundano dos eventos é recheado do horror, se você parar para imaginar. Pois a matéria prima do pesadelo é a realidade, e as quimeras que nos atormentam são mutações dos medos banais que nos impõem. Sobra ao autor de terror apenas organizar o caos em um mundo onde poucos apreciam um bom trabalho, como sempre digo, valorize o criador que valoriza você, leitor." 
Psycho Vincent, escritor que publica no Recanto das Letras desde 2011.