1 - Era hora de dormir
Na hora do sono,
Daniel colocava duas cobertas por cima do corpo fizesse calor ou frio. Estava
com sete anos, orfão de mãe e abandonado pelo pai, morava com o tio.
O nome do tio era
Wagner.
Bons tratos e carinho
fizeram que amasse o tio.
E na hora de dormir,
todas as noites, Wagner contava uma estória para Daniel.
O garoto tinha um
gosto estranho.
Gostava das estórias
de um assassino que sempre fugia da polícia.
O assassino se
chamava "Confessor"¹, costumava cortar as orelhas das vítimas. E a
cada noite Wagner contava um capítulo da violenta saga do maníaco.
O tio entrou no
quarto e recebeu a pergunta:
- Vai contar como
continua a estória tio?
Wagner sorriu.
- Lógico Dan. Onde eu
tinha parado ontem?
O garoto piscou e
começou a falar:
- O Confessor tinha
matado a madame Dória e estava saindo da casa dela.
Wagner respondeu.
- Certo.
E prosseguiu a
narrativa.
"Após ter matado
Dória porque achava que ela não o escutava, o Confessor retirou as orelhas da
madame e saiu da casa.
Chovia terrivelmente.
No meio da rua ele dava passos lentos.
Levantou uma das
orelhas de Dória até a boca e começou a falar:
- Está me ouvindo
agora? Está me ouvindo sua miserável!?
Estava passando pela
ponte do rio coletor. Foi quando um carro desgovernado o acertou em cheio.
Com a pancada ele foi
jogado no rio.
Pensou que iria
morrer, não sabia nadar.
Pensou que era melhor
morrer que ser preso, então dois braços o puxaram para fora da água. Um homem
vestido de branco o salvou.
Recomposto do susto
com a boca sangrando disse ao homem de branco.
- Estou em dívida com
você...
O homem de branco
disse que não se preocupasse, afinal, era um enfermeiro e realizava socorros
todo tempo. O Confessor estendeu até o enfermeiro um cartão com um número de
telefone.
Ao realizar o
movimento para pegar o cartão o enfermeiro o deixou cair, no chão viu assustado
uma orelha. Perguntou ao Confessor:
-Você feriu a orelha?
Notou que o Confessor
tinha as orelhas intactas.
Olhou frio para o
homem de branco.
- Estou em dívida com
você enfermeiro.
E foi embora.
O enfermeiro
assustado olhou um tempo o cartão e..."
Wagner interrompeu a
estória, o telefone tocava. Foi atender, ao voltar ao quarto de Daniel disse:
- Desculpe
interromper a estória Dan. Amanhã continuo, tenho que resolver um negócio.
O garoto meneou a
cabeça e disse:
- Dívida é o que meu
pai tem com você, né tio?
Wagner respondeu
rápido:
- Não Dan. É um
prazer cuidar de você.
E saiu do quarto.
Disse uma mentira, achava que o irmão o devia.
Apesar de gostar do
garoto.
A campainha tocou, um
pobre coitado estava do outro lado. Wagner perguntou:
- Por que ligou? Por
que está aqui?
Wagner deixou o pobre
coitado entrar e foi ríspido:
- Responda minhas
perguntas!
O sujeito acendeu um
cigarro.
- Vim buscar o que é
meu! Minha situação melhorou e quero meu filho de volta.
Espantado, Wagner
encarou o magrelo sujeito, seu irmão Drauzio.
E pensar que o dia
foi tão bom...
2 - Quando um homem
chegou
Drauzio tinha deixado
Daniel com o irmão fazia quatro anos.
Tinha um emprego bom
e uma boa mulher, Norma. Mas isso era passado.
Trabalhou no hospital
Taciturno durante anos antes de Daniel nascer.
Quando Daniel nasceu
Norma morreu. Durante anos tentou dele mas não conseguia.
Drauzio cometeu
crimes diversos pois perdeu o emprego no hospital. A polícia o procurava então
ele deixou Daniel com Wagner.
E agora ele estava
ali.
- O que está
pensando? Você some da vista do garoto e agora quer leva-lo?
Drauzio sorriu
sarcástico:
- Está gostando de
cuidar dele, não? Quando eu era pequeno você me contava estórias, sempre soube
que você seria um bom pai.
Cruel.
- Só que ele é meu
filho!
Wagner estava nervoso:
- Tá, você disse que
sua situação mudou mas me parece ruim.
Segurou o braço de
Drauzio.
- Fique conosco por
um tempo Drauzio, veremos o que fazer depois.
Drauzio soltou-se:
- Olha, sei que você
sabe que eu não queria filhos, mas a Norma não me escutava, olha o que
aconteceu.
Enfático:
- Agora eu mudei de
idéia. Eu preciso dele!
Wagner tentou
argumentar:
- Eu gosto do garoto
e vou lutar por ele!
Drauzio respondeu alto:
- Que foi seu porra!
Sabe que qualquer exame de DNA me acusará como pai.
Wagner cortou:
- Fale baixo, Daniel
está dormindo lá em cima.
Drauzio o empurrou.
- Qual é a tua
Wagner? Nunca se casou. Vive como uma bichona velha nesta casa enorme e agora quer
meu filho?
Wagner foi em direção
a cozinha, pensava no telefone próximo ao armário. Drauzio perguntou:
- Que vai fazer?
Wagner respondeu
baixo:
- Vou chamar a
polícia! Vamos ver se sua situação mudou mesmo.
Wagner fazia a
ligação e falou em tom alto para a sala:
- Vai embora Drauzio
ou digo o endereço ao policial!
Drauzio respondeu:
- Diga o endereço...
Wagner disse ao
telefone o endereço. Drauzio disse:
- O próximo a ligar
serei eu. Ligarei para um amigo que me deve e ele vai acabar com você. Se quer
saber a verdade, a situação não melhorou.
Com medo o outro
respondeu:
- A polícia logo vai
estar aqui.
Confiante Drauzio
disse:
- É mentira sua. Você
não ia ferrar com seu irmão. Agora eu; eu sou o ruim da estória e esse amigo
meu vai te estraçalhar!
Pegou um celular do
bolso e começou a teclar.
3 - Trazendo a
verdade²
Parou de discar e
olhou o irmão que chorava no chão.
- Faça-me o favor!
Você tem quarenta e um, morra dignamente.
Coçou o queixo.
- O lance é o
seguinte. A polícia tá no meu encalço e tenho que levantar uma graninha.
Preciso de um aviãozinho e nenhum é melhor do que o meu guri.
Wagner secou as
lágrimas:
- É pra isso que quer
seu filho!? Para usá-lo!? Você é um monstro!
Drauzio olhou
atentamente o irmão:
- Não. Monstro é quem
eu vou chamar. Eu sou esperto, preciso do garoto.
Dotado de ferocidade
anormal, Wagner pegou o celular de Drauzio e o espatifou no chão.
- Fora daqui seu
desgraçado!
Drauzio limitou-se a
rir:
- Tudo bem. Eu ligo
para ele de qualquer outro lugar. Se ele chegar, deixa o garoto na frente da
casa que você não morre.
Wagner repetiu:
- Fora daqui!
Drauzio pegou o maço
de cigarros do sofá. Demorou um pouco procurando o isqueiro, deleitando-se com
o pavor que criou.
Olhou Wagner com
desprezo:
- Você sempre foi um
bundão Wagner! Sempre!
E foi indo em direção
a porta. Um voz de criança veio acima das escadas.
- Tio o que tá
acontecendo?
Daniel estava
assustado, Wagner respondeu alto:
- Não é nada Dan. Não
desce aqui, volte a dormir!
Drauzio sorriu:
- Dan!? Está mimando
o moleque?
Wagner disse
tristemente:
- É seu filho...
Drauzio parou em
frente a porta:
- Dane-se ele. Vai
trabalhar pra mim. Você é realmente um nada Wagner, desde a época em que
trabalhamos no hospital.
Abriu a porta.
Deu de cara com um
homem estranho.
O homem olhou
friamente para ele e puxou uma faca.
De um golpe rasgou a
garganta de Drauzio, este tombou ao chão, patético. O assassino olhou Wagner
que estava estático.
Lá de cima a voz
infantil.
- Tio? Tá tudo bem?
Wagner estava
paralisado, o assassino apontou para o alto das escadas com a faca cheia de
sangue. Depois apontou para Wagner.
A voz era gelada.
- Recebi a ligação,
vou sumir com o corpo. Agora suba lá e conte uma estória para o garoto dormir
de novo.
Wagner estava subindo
as escadas enquanto o assassino arrancava as orelhas de Drauzio.
E a voz gelada:
- Minha dívida está
paga enfermeiro.
"Assim como o personagem Daniel, o autor Raoni Barone gosta MUITO de histórias de terror, coisa que ele faz questão de demonstrar na criação de seus contos, ao compor uma linha narrativa tão cativante e uma história tão intrigante para o leitor. O que nos faz querer mais e mais. Em Dívida, temos o trunfo do conto dentro do conto feito com todo o cuidado para manter o leitor interessado em ambos e apenas sugerir qual seria a relação entre eles. Claro que, em um conto tão imaginativo, nem tudo é o que parece. Seus personagens parecem vivos, podemos até imaginá-los como num filme, isso mostra como seus contos, este em especial, tem um viés cinematográfico. Tudo bem caracterizado através de diálogos e atitudes. Análises a parte, sua leitura é altamente recomendada não apenas a leitores de suspense e terror mas também aos que gostam de contos curtos de impacto. Agora, resta apenas aproveitar este presente do autor que nos é oferecido."
Aguinaldo Junior , irmão colecionador de HQs, filmes e livros.
Extras e referências:
1 - Confessor: assassino serial ligado ao culto da I.V., igreja da vingança cujo culto é apresentado no conto Devolva.
2 - Os títulos dos capítulos formam uma frase que expande o conto.
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