“Você precisa
conhecer o inferno, não é preciso ficar lá!”
Vocês são engraçados.
Em dias frios se enchem com indumentárias pesadas. Cobrem o
corpo com brilhos, com tecidos.
Não gostam muito da casca? Estou certo?
Nos dias chuvosos protegem os pés com botas, galochas, nas
mãos levam um grande guarda-chuva, colocam uma capa sobre os ombros. Para
alguns bichos a mudança é biológica, para esconder dos predadores mudam as
cores, mesclam-se ao ambiente, modificam odores, deixam apêndices, soltam
tinta.
O predador do homem, o maior, é a sua importância com a
opinião dos seus. Então enchem agendas médicas para retirar banhas laterais,
diminuir bochechas, afinar o nariz para que os outros gostem de sua imagem.
Para que tudo dê certo na vida.
Para que tudo fique bem no sábado à noite, por alguns
momentos frente ao espelho.
Nascer com um rosto que cresce, murcha e morre é um pesadelo
para todos vocês. Aturar a mesma cara enquanto ela se degrada lentamente
achando que todos dão esse mesmo significado.
Masturbando-se mesmo cercado de parceiros, masturbando-se em
namoros perfeitos, em casamentos perfeitos.
Uma perfeita merda.
Um dia ele, ou ela, levanta e diz “vou comprar cigarros” e
some de vista. Aparece largado, largada na rua com crack até a tampa.
Vidas destruídas são o grande negócio lá embaixo.
Vou te dizer; o normal, o vulgar e o comum são os que me chamam a
atenção. Aquele que tem tudo banaliza os extremos tornando o que faz
suportável. Agora, o sujeito regular, de casório estável que sempre quis comer
a vizinha menor de idade ou a mulher de bom emprego que é flagrada cheirando
coca no banheiro da empresa, são os realmente interessantes.
Ser imprevisível, usar a capa num dia de sol, cuspir na fuça
de alguém excessivamente cordial, saudar todos no trabalho com foda-se.
A loucura é similar a uma saída, um passeio longe da
normalidade.
As vezes mais longo, as vezes mais curto, as vezes só de
ida.
Admita!
Você sempre quis.
Sempre olhou impressionado as manchetes nos jornais, os
escabrosos crimes passionais.
Você a achava memorável mas ela te encuca, não é? Com você
ela é chata e em público é uma beleza.
Admita!
Você é o sujeito dentro dos padrões. Suporta, dialoga,
suprime sua besta.
Mas isso está pra mudar, o Peçonha¹ aqui vai te fazer atravessar
e como eu disse, tenho atração pelo passional. Pense em um rally com motorista
e navegador, você terá parte em tudo. Vamos para terras desconhecidas.
Galochas, botas, tênis, chinelos, casacos, camisas, calças,
vestidos, macacões, você.
Eu uso você pra sair.
Como uma roupa nova, vai se sentir estranho por uns
instantes mas se adaptará bem. Suas ideias serão bem vindas. Quem dirige sou
eu.
Tem tesouras na gaveta?
Olha só, então quer dizer que o senhor normal guarda um 22
embaixo da cama?
Vamos nos levantar e encontrar Diana. Antes, uma parada pra
buscar cigarros.
Se será memorável?
Será memorável!
Eu prometo.
"Conto simplesmente sensacional, de forma clara todo lado sórdido e grotesco de nós, pequenos humanos, é revelado. Todos temos lados obscuros em nossas mentes e a narrativa retrata fielmente cada traço sujo e vontades carnais que seriam facilmente rechaçadas em convenções sociais padronizadas,"
Joey Vice, músico, produtor, diretor e integrante da Confraria Negra.
Extras e referências:
1 - Peçonha: ser demoníaco ambicioso. Possuí baixa estatura, uma língua enorme que sempre usa pra lamber seus olhos, uma cabeça recheada de tumores, sempre mostra um senso podre de humor negro. Ele aparece também em A banca leva.
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