“As palavras são a pintura e as
mãos a moldura”
Eu sabia que você iria me chamar.
Fiquei lá esperando, perto daquele cara coberto de tatuagens
infantis, perto do alucinado que diz ter se expandido e o cara que fez a
Terceira Guerra Mundial na rua dele¹. Acho que sei até o que você pensou me
chamando “vou falar com aquele farrapo humano pois ele me incomoda raspando a
cara na parede”.
Quem sabe eu não paro com isso enquanto falo contigo, não é?
Tem partes da minha cabeça que o cabelo nem cresce mais.
Ahh... Me pergunta como isso começou, de novo?
A desconfiança, a perturbação, a coceira?
É preciso falar de Tania.
Eu tinha conhecido todas as drogas, todo o prazer que o
mundo poderia me proporcionar. Ela se encaixou em mim pois me perturbava, me
fazia olhar quando eu não queria, me fazia pensar nela enquanto comia. E nada
me perturbava, parecia um instinto, um ato involuntário.
O que eu fazia?
Era um colecionador de livros, editor e crítico literário.
Dei o mundo para ela, nos casamos rapidamente. Viajamos, visitamos os melhores
restaurantes. Bon vivant.
Ela dizia que queria crescer e voltou a estudar em aulas
particulares. Dizia que queria tratar sua mente como tabula rasa e na viagem a
Bogotá teve um estalo “preciso aprender Matemática”. No retorno procuramos um
bom professor da disciplina.
Quid pro quo, recebi o melhor sexo que ela podia oferecer no
período. Depois de um tempo o professor de Matemática começou a me inquietar,
só de lembrar dele minha barba coçava, saudades da minha barba.
Não ligue para as lágrimas, hoje aceito melhor a minha
condição. É o que posso fazer, não é? O ato, o ferimento, a ação me diz que
estou vivo.
O que eu fiz?
Disse a ela, perguntei se tinha algo com o professor.
Completávamos quatro anos juntos e ela mentiu. Mentiu para quem conhecia seu
cerne mais do que seus pais, para quem viu todas as suas fases e inconstâncias.
Olhou nos meus olhos e mentiu!